VIDA APÓS A MORTE: APENAS UMA QUESTÃO DE RELIGIÃO?

08/10/2023 às 09h36
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Parte 1

A ideia da Sobrevivência da Mente Humana Após a Morte é uma questão científica?

A questão acerca da natureza da realidade e sobre o que acontece com os seres humanos após a morte sempre foi motivo de preocupação humana e por isso mesmo alvo de muitas especulações.

Se perdeu ao longo da linha do tempo da história, o momento em que o primeiro ser humano questionou a si, ou a um interlocutor, o que é tudo isso no qual encontrava-se inserido, ou seja, o que é isso que chamamos de “realidade” e, como uma questão subsequente, surgiu a pergunta sobre o que ocorre quando morremos.

Sobre este último ponto duas posições sempre se mostraram muito presentes na história do pensamento humano. Uma delas postula que a morte é o fim total da existência humana, nada restando do ser humano após a decomposição total do seu corpo. Há registros desta posição pelo menos desde a época de Homero, passando pelo atomismo, de Leucipo e Demócrito, ancestral mais remoto do Materialismo (ANTISERI & REALE, 2017), até a versão contemporânea desta tese metafísica, também chamada de Fisicalismo, que assume uma posição hegemônica na comunidade científica atual, no seio da qual, não raro, é tratado como dogma (KUHN, 2012).

Porém, outra visão de mundo diametralmente oposta a esta, sempre se mostrou presente no pensamento humano, ou seja, a ideia de que, após a morte, o ser humano não deixa de existir por completo.

Sendo este composto de duas substâncias, uma material, que se desagrega após a morte, e uma mental, onde reside sua essência, o EU, e que sobrevive ao processo da morte e se mantém. Esta cosmovisão é tão antiga quanto o ser humano e sempre se mostrou presente no cerne das mais antigas tradições espirituais. Não obstante exista divergência acerca da natureza da a vida após a morte entre elas, a ideia central permanece.

Do Orfismo (ANTISERI & REALE, 2017), na Grécia, passando pelos hinos védicos da Índia, pelos textos de Hermes no Antigo Egito, pelas tradições religiosas da Gália e por fim chegando ao Cristianismo (DENIS, 2011), a sobrevivência do EU após a morte sempre foi uma das ideias mais difundidas na história da humanidade. Que esta cosmovisão está presente no núcleo de todas as religiões é fato relativamente conhecido pois encontra-se presente nos textos sagrados da maioria delas, porém menos conhecido é o fato de que tal ideia foi, e ainda é, alvo de investigações filosóficas, recebendo argumentos favoráveis de algumas das mentes filosóficas e científicas mais brilhantes como Platão, Pitágoras, Cícero, Isaac Newton, René Descartes, Leibniz, Max Planck, Kurt Gödel, etc. (MOREIRA-ALMEIDA et al, 2023). Immanuel Kant, considerado um dos pináculos do pensamento moderno, ofereceu, ele mesmo, argumentos elaborados em favor da sobrevivência da mente humana após a morte (MOREIRA-ALMEIDA et al, 2023).

A Existência de argumentação racional favorável à sobrevivência da mente humana após a morte, ou seja, não pautada em autoridade teológica, é uma evidência forte de que tal tese transcende as fronteiras da religião. A questão que fica agora é: além de transcender as fronteiras da religião, essa tese consegue ir além das investigações filosóficas? Existe evidência empírica que dê suporte ao argumento de que a mente humana sobrevive à morte?

Antes de refletirmos acerca da existência de evidências empíricas da sobrevivência da mente humana, é preciso primeiro explicitar o mito muito disseminado seja no meio acadêmico, seja na imprensa de que é um fato comprovado pela neurociência que a mente é gerada pelo cérebro e nada mais é do que o produto de interações físico-químicas. Isto não é um resultado científico, é um programa de pesquisa, uma hipótese de trabalho, pautada no materialismo como um pressuposto metafísico (ECCLES, 1994). Há um exagero acerca do que realmente sabemos sobre o cérebro, conforme expresso por John Eccles, Prêmio Nobel de Medicina: “Existe uma tendência geral de exagerar o conhecimento científico do cérebro, o que infelizmente é feito por muitos cientistas e escritores científicos. Por exemplo, nos dizem que o cérebro ‘vê’ linhas, ângulos […] e que, portanto, em breve poderemos explicar como uma imagem inteira é ‘vista’ […]. Mas esta afirmação é enganosa. Tudo o que se sabe que acontece no cérebro é que os neurônios do córtex visual são levados a disparar correntes de impulso em resposta a algum estímulo visual específico”. (POPPER & ECCLES, 1977)

Quando neurocientistas ou filósofos comprometidos com o materialismo são confrontados com a falta de evidências empíricas robustas que comprovariam que o cérebro gera a mente, frequentemente alegam que esta é uma questão muito complexa que, em breve, será respondida pela neurociência. Como colocado pelo célebre filósofo da ciência Karl Popper, trata-se apenas de uma estratégia retórica sem fundamento: “O materialismo promissor é uma teoria peculiar. Consiste, essencialmente, em uma profecia histórica (ou historicista) sobre os futuros resultados das pesquisas sobre o cérebro e o seu impacto. Esta profecia não tem fundamento. Nenhuma tentativa foi feita no sentido de fundamentá-la tendo em vista as recentes pesquisas sobre o cérebro. […]. Nenhuma tentativa foi feita no sentido de resolver as dificuldades do materialismo através de argumentos. Alternativas para o materialismo não são nem mesmo consideradas”. (POPPER & ECCLES, 1977, p.131)

O fato é que sequer foram identificados os correlatos neurais da consciência, muito menos existe qualquer trabalho científico explicando como o cérebro supostamente geraria a mente, sendo assim a única coisa que sabemos é que há uma interação bidirecional entre a mente e o cérebro, de forma que os estados mentais afetam o cérebro e o estados cerebrais afetam a mente, apenas isso, nada mais.

Logo, uma vez que nada se sabe sobre a natureza da mente, devemos nos manter em uma posição de humildade intelectual para que uma análise justa possa ser feita acerca de qualquer evidência que indique se a mente pode sobreviver à morte. Então, para responder à pergunta formulada no subtítulo deste artigo – Se a sobrevivência da mente após a morte é uma questão científica – precisamos saber se existe evidência empírica que dê suporte a tal tese. E a resposta é “Sim, elas existem, porém, antes de apresentá-las, necessitamos primeiro saber o que constitui uma evidência empírica da sobrevivência da mente. Porém isso é um assunto para o próximo artigo, onde será abordado o que constitui uma evidência empírica da sobrevivência, quais são as melhores evidências existentes e o peso teórico deste conjunto de evidência na corroboração da tese da sobrevivência.

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Referências:

Antiseri, D; Reale, G. Filosofia: Antiguidade e Idade Média, vol 1. 1ª Edição. São Paulo: Paulus, 2017.

Kuhn, T. S. A Função do Dogma na Investigação Científica. Curitiba: UFPR. SCHLA, 2012..

Denis, L. Depois da Morte. Rio de Janeiro: CELD, 2011.

Moreira-Almeida, A.; Coelho, H. S.; Costa, M. A. Ciência da Vida Após a Morte. Minas Gerais: Ampla, 2023.

Eccles, J. C. Cérebro e Consciência. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.

Popper, K. R; Eccles, J. C. O Eu e o Seu Cérebro. Brasília: Papirus, 1991

Sobre o autor

Alexandre Filho

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